terça-feira, 17 de dezembro de 2013

"Barn find" Lotus Mk6!


A história de uma improvável descoberta começa num domingo de manhã ao receber um link para um leilão no eBay. O nosso sempre atento amigo João Vieira da Cunha alerta-nos para o facto de alguém em Portugal acreditar estar na posse de um Lotus MK VI, o primeiro carro feito em série por Colin Chapman e um dos apenas 110 fabricados sendo que muitos deles não chegaram aos nossos dias. O titulo do item era sugestivo “Lotus Mk VI - mistery car ? Barn find”. O proprietário confessava-se “not an Lotus expert” o que mais tarde se veio a revelar pouco verdadeiro como poderão comprovar os que o conhecem há anos. 

Logo a minha curiosidade e vontade de saber mais se coloca em campo e começo a perguntar a meia dúzia de contactos com largo conhecimento do automóvel em Portugal, se poderia ser verdade. Ao mesmo tempo tento entrar em contacto com o vendedor na esperança de saber mais. Domingo passou e algumas respostas começam a chegar mas poucos equacionavam que pudesse ser um verdadeiro 6 apontando o carro como sendo um mero MG que tinha corrido em Portugal na década de 50, sob o nome de Lotus-MG com fracos resultados.

Segunda-feira recebo a resposta do vendedor e com a mesma a confirmação de uma pequena desconfiança dado o nome que usa no eBay. Era de facto o conhecido Joaquim “Kikas” Bessa que estava a negociar o carro. A história era simples de contar, o carro chega-lhe às mãos, há uma tentativa de restauro por parte de um parente que na altura não identifica o carro como um Lotus e uma desistência do projecto fazendo o mesmo retornar às mãos de Kikas. Numa visita de um cliente, também ele um apaixonado por Lotus, surge a hipótese de esse amontoado de tubos ao canto da garagem ser de facto um Mk6. Com base nessa hipótese e sem nenhuma confirmação, Kikas decide arriscar num leilão do eBay.

Com base nestes dados e valendo-me da já vasta rede de contactos que o Club Lotus Portugal foi estabelecendo, entro em contacto com os grandes especialistas dos Lotus pré-Hethel que pouco a pouco vão desvendando detalhes que mais tarde me ajudariam no meu trabalho. Por esta altura já meio mundo Lotus estava de olho no carro, incluindo o historiador da marca que me diz ter recebido alguns pedidos de informação sobre aquele carro, administradores de Forums Lotus que tinham sido inundados com perguntas e os especialistas dos Registos Lotus que tinham sido alertados da possibilidade. Ora aqui entra em cena Charles Helps, register dos Mk6 que com o seu vastíssimo conhecimento me indica o que procurar e onde. As possibilidades era remotas, pouca coisa indicava que pudesse ser um Lotus 6 mas para quem como eu acredita que nem tudo é como lhe contam ou parece, tinha de ver com os meus próprios olhos.

Chegados à oficina do Kikas, a mesma simpatia e vasto conhecimento de sempre. Muitas histórias sobre a história do automóvel em portugal, muitos detalhes deliciosos de Lotus em Portugal e finalmente o desvendar do pequeno carrinho vermelho. Munidos de fotos e esquemas enviados de várias partes do mundo e de vários especialistas, as primeiras impressões não enganavam. Todos os tubos estão na posição correta, todos os detalhes que o tornam num carro de corrida estão lá e eu podia até esquecer as modificações bárbaras feitas durante os anos. A antepara foi fortemente modificada, mas os restantes painéis são muito próximos do original. Toda a secção traseira está muito próxima do original, e quanto ao nariz parece feito a partir de um Austin Healey SpriteO chassis é muito sólido, sem ferrugem visível e todos os pontos de ancoragem são sólidos. Cada vez mais acreditávamos que poderia mesmo ser “the one”. 

Faltava o detalhe fundamental, o que separa o sonho da realidade, o número de chassis. Munidos de lixa atacamos a pequena peça metálica frontal e depois de alguns segundos ele ali estava! MK6 69! O sexagésimo nono Mk6 a sair dos barracões de Hornsey, Londres. Não havia muitas dúvidas, este era um Mk6 original, muito possivelmente o primeiro Lotus a entrar em Portugal no ano de 1955.

Mas porquê Lotus-MG? Há um artigo muito interessante que pode dar algumas pistas sobre o assunto embora nunca avente a possibilidade de ser um verdadeiro Lotus:



Aqui se conta a história do preparador Mário de Jesus e dos seus trabalhos com base nos MG o que levava a entender que este carro poderia ser um chassis MG já que a mecânica era desta marca. O próprio registo original do carro, a matricula LD-12-06, pertencia a um MG do final da década de 40 o que pode desde logo indicar que o carro nunca foi registado ou conhecido como Lotus muito provavelmente por ser uma marca nova, sem representante em Portugal o que já na altura deveria dificultar o registo correcto. Ora se o carro tinha mecânica MG, porque não registá-lo como MG? Atenção que esta é uma interpretação pessoal pois não tenho dados que confirmem, mas poderá fazer algum sentido. E porque fazê-lo correr como Lotus-MG? Numa altura em que ainda haviam corridas com carros de fabrico nacional, teria sido esta uma tentativa de entrar nessa competição particular esquecendo de forma conveniente que o carro era de facto de fabrico totalmente inglês? Fica a dúvida...

Voltando ao nosso curioso 69, nessa noite tirei algumas fotografias que me ajudariam a clarificar qualquer dúvida existente junto dos especialistas. E após análise das mesmas, mais uma surpresa extremamente agradável sobre o carro. Não só era um potencial Mk6, como poderia ser um dos 3 únicos carros comissionados por Peter Gammon, ex-piloto official de Chapman! Segundo Charles Helps: 

”The interesting bit for me is the rear suspension:  the top A-frame and twin short radius rods were only used on three cars that I know about and two of them were Peter Gammon's.  The other car, built about the same time as yours, was chassis 71 - with a lightweight rear end which the Portuguese chassis doesn't have.  I need to do a bit more research on this but Joaquim's chassis may be another Gammon one.”

Em face de todos estes argumentos, o mundo Lotus verdadeiramente conhecedor entra em reboliço e os lances no leilão começam a tornar-se bem mais interessantes, quase exclusivamente vindos do estrangeiro. Coleccionadores ingleses e americanos tentam saber mais e tentam dissipar as ainda poucas dúvidas que restavam. Por esta altura estabeleciam-se alguns contactos com potenciais interessados nacionais que reagem com menor entusiasmo. Uma nota para referir que na altura optamos por não divulgar a história porque subsistiam dúvidas quanto ao historial do carro e tendo nós a intenção do rigor, seria imprudente revelar dados que poderiam não se confirmar. Por esta altura havia também a possibilidade do carro ser retirado do leilão o que nos daria mais tempo de divulgar a história a mais interessados, mas no final a decisão era do Kikas e ele decidiu levar o leilão até ao fim.

No final do leilão um coleccionador da Califórnia aguentou-se até ás 3 da manhã locais para apresentar o seu valor final, £15.211,11 (24,717.40 USD ou 17,978.24 EUR)! Nada mau para um aparente amontoado de tubos...

E assim parte mais uma relíquia da história automóvel do país, por esta altura estarão-se a ultimar os preparativos para a viagem e infelizmente e com muita pena do nosso clube, este pequeno carrinho vermelho sairá de Portugal onde esteve quase 60 anos sem que quase ninguém se apercebesse do seu real valor e da sua importância para a história da marca no país. Sai assim o mais antigo Lotus em existência em Portugal. Por minha parte foi um privilégio o ter identificado e ter passado algumas horas à sua volta. A emoção da descoberta da sua identidade será algo que guardarei com particular emoção.

Ao Kikas agradecemos ter confiado no clube para desvendar parte do historial do MK6 69.


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2 comentários:

Pedro Aroso disse...

Excelente trabalho Rui. Parabéns e obrigado pela partilha.

Paulo Costa disse...

Parabéns Rui, Excelente trabalho. Que história deliciosa!! Pensei que só líamos destas em revistas estrangeiras.