A história de uma improvável descoberta começa num domingo de manhã ao receber um link para um leilão no eBay. O nosso sempre atento amigo João Vieira da Cunha alerta-nos para o facto de alguém em Portugal acreditar estar na posse de um Lotus MK VI, o primeiro carro feito em série por Colin Chapman e um dos apenas 110 fabricados sendo que muitos deles não chegaram aos nossos dias. O titulo do item era sugestivo “Lotus Mk VI - mistery car ? Barn find”. O proprietário confessava-se “not an Lotus expert” o que mais tarde se veio a revelar pouco verdadeiro como poderão comprovar os que o conhecem há anos.
Logo a minha curiosidade e vontade de saber mais se coloca em campo e
começo a perguntar a meia dúzia de contactos com largo conhecimento do
automóvel em Portugal, se poderia ser verdade. Ao mesmo tempo tento entrar em
contacto com o vendedor na esperança de saber mais. Domingo passou e algumas
respostas começam a chegar mas poucos equacionavam que pudesse ser um
verdadeiro 6 apontando o carro como sendo um mero MG que tinha corrido em
Portugal na década de 50, sob o nome de Lotus-MG com fracos resultados.
Segunda-feira recebo a resposta do vendedor e com a mesma a
confirmação de uma pequena desconfiança dado o nome que usa no eBay. Era de
facto o conhecido Joaquim “Kikas” Bessa que estava a negociar o carro. A
história era simples de contar, o carro chega-lhe às mãos, há uma tentativa de
restauro por parte de um parente que na altura não identifica o carro como um
Lotus e uma desistência do projecto fazendo o mesmo retornar às mãos de Kikas.
Numa visita de um cliente, também ele um apaixonado por Lotus, surge a hipótese
de esse amontoado de tubos ao canto da garagem ser de facto um Mk6. Com base
nessa hipótese e sem nenhuma confirmação, Kikas decide arriscar num leilão do
eBay.
Com base nestes dados e valendo-me da já vasta rede de
contactos que o Club Lotus Portugal foi estabelecendo, entro em contacto com os
grandes especialistas dos Lotus pré-Hethel que pouco a pouco vão desvendando
detalhes que mais tarde me ajudariam no meu trabalho. Por esta altura já meio
mundo Lotus estava de olho no carro, incluindo o historiador da marca que me
diz ter recebido alguns pedidos de informação sobre aquele carro,
administradores de Forums Lotus que tinham sido inundados com perguntas e os especialistas dos Registos Lotus que tinham sido alertados da possibilidade.
Ora aqui entra em cena Charles Helps, register dos Mk6 que com o seu vastíssimo conhecimento me indica o que procurar e onde. As possibilidades era remotas,
pouca coisa indicava que pudesse ser um Lotus 6 mas para quem como eu acredita
que nem tudo é como lhe contam ou parece, tinha de ver com os meus próprios
olhos.
Chegados à oficina do Kikas, a mesma simpatia e vasto
conhecimento de sempre. Muitas histórias sobre a história do automóvel em
portugal, muitos detalhes deliciosos de Lotus em Portugal e finalmente o
desvendar do pequeno carrinho vermelho. Munidos de fotos e esquemas enviados de
várias partes do mundo e de vários especialistas, as primeiras impressões não
enganavam. Todos os tubos estão na posição correta, todos os detalhes que o
tornam num carro de corrida estão lá e eu podia até esquecer as modificações
bárbaras feitas durante os anos. A antepara foi fortemente modificada, mas os
restantes painéis são muito próximos do original. Toda a secção traseira está
muito próxima do original, e quanto ao nariz parece feito a partir de um Austin
Healey Sprite. O chassis é muito sólido, sem ferrugem visível e todos os
pontos de ancoragem são sólidos. Cada vez mais acreditávamos que poderia mesmo
ser “the one”.
Faltava o detalhe fundamental, o que separa o sonho da
realidade, o número de chassis. Munidos de lixa atacamos a pequena peça
metálica frontal e depois de alguns segundos ele ali estava! MK6 69! O sexagésimo
nono Mk6 a sair dos barracões de Hornsey, Londres. Não havia muitas dúvidas,
este era um Mk6 original, muito possivelmente o primeiro Lotus a entrar em
Portugal no ano de 1955.
Mas porquê Lotus-MG? Há um artigo muito interessante que
pode dar algumas pistas sobre o assunto embora nunca avente a possibilidade de
ser um verdadeiro Lotus:
Aqui se conta a história do preparador Mário de Jesus e dos seus trabalhos com base nos MG o que levava a entender que este carro poderia ser um chassis MG já que a mecânica era desta marca. O próprio registo original do carro, a matricula LD-12-06, pertencia a um MG do final da década de 40 o que pode desde logo indicar que o carro nunca foi registado ou conhecido como Lotus muito provavelmente por ser uma marca nova, sem representante em Portugal o que já na altura deveria dificultar o registo correcto. Ora se o carro tinha mecânica MG, porque não registá-lo como MG? Atenção que esta é uma interpretação pessoal pois não tenho dados que confirmem, mas poderá fazer algum sentido. E porque fazê-lo correr como Lotus-MG? Numa altura em que ainda haviam corridas com carros de fabrico nacional, teria sido esta uma tentativa de entrar nessa competição particular esquecendo de forma conveniente que o carro era de facto de fabrico totalmente inglês? Fica a dúvida...
Aqui se conta a história do preparador Mário de Jesus e dos seus trabalhos com base nos MG o que levava a entender que este carro poderia ser um chassis MG já que a mecânica era desta marca. O próprio registo original do carro, a matricula LD-12-06, pertencia a um MG do final da década de 40 o que pode desde logo indicar que o carro nunca foi registado ou conhecido como Lotus muito provavelmente por ser uma marca nova, sem representante em Portugal o que já na altura deveria dificultar o registo correcto. Ora se o carro tinha mecânica MG, porque não registá-lo como MG? Atenção que esta é uma interpretação pessoal pois não tenho dados que confirmem, mas poderá fazer algum sentido. E porque fazê-lo correr como Lotus-MG? Numa altura em que ainda haviam corridas com carros de fabrico nacional, teria sido esta uma tentativa de entrar nessa competição particular esquecendo de forma conveniente que o carro era de facto de fabrico totalmente inglês? Fica a dúvida...
Voltando ao nosso curioso 69, nessa noite tirei algumas
fotografias que me ajudariam a clarificar qualquer dúvida existente junto dos
especialistas. E após análise das mesmas, mais uma surpresa extremamente agradável sobre o carro. Não só era um potencial Mk6, como poderia ser um dos 3
únicos carros comissionados por Peter Gammon, ex-piloto official de Chapman! Segundo Charles Helps:
”The interesting bit for me is the rear suspension: the top A-frame and twin short radius rods were only used on three cars that I know about and two of them were Peter Gammon's. The other car, built about the same time as yours, was chassis 71 - with a lightweight rear end which the Portuguese chassis doesn't have. I need to do a bit more research on this but Joaquim's chassis may be another Gammon one.”
Em face de todos estes argumentos, o mundo Lotus verdadeiramente
conhecedor entra em reboliço e os lances no leilão começam a tornar-se bem mais
interessantes, quase exclusivamente vindos do estrangeiro. Coleccionadores
ingleses e americanos tentam saber mais e tentam dissipar as ainda poucas
dúvidas que restavam. Por esta altura estabeleciam-se alguns contactos com potenciais
interessados nacionais que reagem com menor entusiasmo. Uma nota para referir
que na altura optamos por não divulgar a história porque subsistiam dúvidas
quanto ao historial do carro e tendo nós a intenção do rigor, seria imprudente
revelar dados que poderiam não se confirmar. Por esta altura havia também a
possibilidade do carro ser retirado do leilão o que nos daria mais tempo de
divulgar a história a mais interessados, mas no final a decisão era do Kikas e
ele decidiu levar o leilão até ao fim.
No final do leilão um coleccionador da Califórnia
aguentou-se até ás 3 da manhã locais para apresentar o seu valor final, £15.211,11
(24,717.40 USD ou 17,978.24 EUR)! Nada mau para um aparente amontoado de
tubos...
E assim parte mais uma relíquia da história automóvel do
país, por esta altura estarão-se a ultimar os preparativos para a viagem e
infelizmente e com muita pena do nosso clube, este pequeno carrinho vermelho
sairá de Portugal onde esteve quase 60 anos sem que quase ninguém se
apercebesse do seu real valor e da sua importância para a história da marca no
país. Sai assim o mais antigo Lotus em existência em Portugal. Por minha parte
foi um privilégio o ter identificado e ter passado algumas horas à sua volta. A
emoção da descoberta da sua identidade será algo que guardarei com particular
emoção.
Ao Kikas agradecemos ter confiado no clube para desvendar
parte do historial do MK6 69.
2 comentários:
Excelente trabalho Rui. Parabéns e obrigado pela partilha.
Parabéns Rui, Excelente trabalho. Que história deliciosa!! Pensei que só líamos destas em revistas estrangeiras.
Enviar um comentário